Após as tentivas falhadas de O memorial do convento e O evangelho segundo Jesus Cristo, li com grande satisfação (e várias gargalhadas!!) o recentemente lançado A viagem do elefante.
Simplesmente amei o sentido de humor deste autor. Claro que certas passagens da história também se põem a jeito para colocar o leitor mais sério com um sorriso na cara. Mas o Saramago utiliza um vocabulário diferente do comum e descreve com grande mestria situações bastante caricatas.
Esta é a história da viagem do elefante Salomão e do seu tratador indiano Subhro, de Lisboa a Viena de Áustria, no século XVI.
Salomão foi oferecido pelo rei D. João III ao seu primo, o arquiduque Maximiliano de Áustria, e o livro não é mais do que o relato do caminho entre um país e o outro e todas as suas aventuras, assim como da caravana que acompanha o elefante e o seu cornaca.
Aqui ficam algumas pasagens do livro que ilustram não só a escrita particular de Saramago, assim como o seu apurado sentido de humor.
Cena da apresentação do tratador ao rei e as impressões deste último:
O secretário depressa se apercebeu de que o tratador não tinha reconhecido o rei, e, como a situação não estava para apresentações formais, alteza, permiti que vos apresente o cuidador de salomão, senhor indiano, apresento-lhe o rei de portugal, dom joão, o terceiro, que passará à história com o cognome de piedoso, deu ordem aos pajens para que entrassem no redondel e informassem o desassossegado cornaca dos títulos e qualidades da personagem de barbas que lhe estava dirigindo um olhar severo, anunciador dos piores efeitos, É o rei. (...) o rei observava o espectáculo com irritação e repugnância, repeso de ter cedido ao impulso matutino de vir fazer uma visita sentimental a um bruto paquiderme, a este ridículo proboscídeo de mais de quatro côvados de altura que, assim o queira deus, em breve irá descarregar as suas malcheirosas excreções na pretensiosa viena de áustria.
Descrição do elefante pelo secretário do rei, quando este lhe perguntou que ideia lhe dava o animal:
(...) o que estou a ver daqui, para tomar este caso particular de uma lei geral, é um magnífico exemplar de elefante asiático, com todos os pêlos e pintas a que está obrigado pela sua natureza e que encantará o arquiduque e deslumbrará não só a corte e população de viena como, por onde quer que passe, o gentio comum.
Como vêem os camponeses o elefante, do qual jamais haviam visto um exemplar:
De estranhar é que, pertencendo (...) à família dos que dão coices, não leve ferraduras. Afinal, disse um dos camponeses, um elefante não tem muito que ver, dá-se-lhe uma volta e já está.
E, mais adiante, falando com o cura da aldeia:
(...) Senhor padre, deus é um elefante. O padre suspirou de alívio, era preferível isto a ter caído o telhado, além do mais, a herética afirmação era de fácil resposta, Deus está em todas as criaturas, disse. (...) O cura respirou fundo, sujeitou o ânimo que o estava impelindo a maiores extremos e perguntou, Vocês estão bêbados, Não, senhor padre, respondeu o coro, é difícil estar bêbado nos tempos que correm, o vinho está caro (...).
(...) Senhor padre, deus é um elefante. O padre suspirou de alívio, era preferível isto a ter caído o telhado, além do mais, a herética afirmação era de fácil resposta, Deus está em todas as criaturas, disse. (...) O cura respirou fundo, sujeitou o ânimo que o estava impelindo a maiores extremos e perguntou, Vocês estão bêbados, Não, senhor padre, respondeu o coro, é difícil estar bêbado nos tempos que correm, o vinho está caro (...).
Já na posse do arquiduque, este decidiu o lugar que o elefante haveria de tomar no cortejo rumo a Viena:
Era simples, exactamente à frente do coche que o transportaria a ele e à arquiduquesa. Um privado de confiança rogou-lhe que atendesse ao facto conhecido de que os elefantes, tal como, por exemplo, os cavalos, defecam e urinam em movimento, O espectáculo iria ofender inevitavelmente a sensibilidade de suas altezas, antecipou o privado fazendo cara da mais profunda inquietação cívica, ao que o arquiduque respondeu que não se preocupasse com o assunto, sempre haveria gente na caravana para limpar o caminho de cada vez que se produzissem tais deposições naturais.
Aconselho vivamente!!! Para quem diz que não gosta ou quem nunca leu José Saramago, porque ouviu dizer que a escrita dele é difícil, eis aqui um excelente livro para começar a ler este autor que foi Prémio Nobel da Literaura em 1998.
6 comentários:
Agradeço o comentário, já tenho o livro em casa mas ainda não lhe peguei... acho que vai ser agora!
Após ter lido a tua opinião, fiquei ainda mais curiosa relativamente ao livro !
Gosto bastante da escrita de José Saramago ! Até agora, as obras que mais me encantaram foram "Jangada de Pedra" e "Ensaio sobre a Cegueira" ! Simplesmente geniais !
Bjinhos
Excelente comentário. Também tenho o livro em casa pronto a ser devorado... a minha opinião sobre Saramago é um pouco contraditória. Há alguns livros que li e adorei, outros que nem tanto.
Se gostaste de ler a viagem do elefante aproveita (caso ainda não o tenhas feito) para ler O Ano da Morte de Ricardo Reis que é simplesmente genial...
http://marcadordelivros.blogspot.com
Sofia,
Este livro é simplesmente fantástico!
Aliás, ler Saramago é como deslizar em um mundo questionador de princípios éticos, definidos pela sociedade, que se contradiz ao se deparar com situações que a torna egoísta.
É como se estivéssemos em guerra de princípios e valores sem armas e combates.
É como navegar em uma embarcação sem bússola ou GPS.
É se colocar em contato imaginário com o comum que não se tem a capacidade de ver.
Segundo o autor, a motivação para escrever o livro ocorreu face o destino dado às patas do elefante após sua morte. Existe nada mais questionador que isto?
Existe nada mais questionador do que uma cidade inteira cega: “Ensaio sobre a cegueira”?
Existe nada mais questionador que a morte em férias: “As intermitências da morte”?
Parabéns pela escolha do livro!
Eduardo Andrade
http://visaoliteraria.blogspot.com/
Aconselho este livro também! Tem uma bonita história. Gosto imenso de Saramago.
O link não está correcto
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